Av. Ipiranga, 5311 - Sala 206

Atendimento via e-mail e WhatsApp

  

Intoxicação ocupacional por agrotóxicos: comprovação na Justiça

Um óbito decorrente da intoxicação por agrotóxicos é difícil de ser comprovado na Justiça. Embora algumas substâncias permaneçam por décadas no corpo humano, outras não ficam nem uma semana em nosso organismo – o que não impedem que causem estragos.

Nos tribunais, há uma exigência de comprovações irrefutáveis da presença de um agrotóxico em exames clínicos no sangue ou na urina. E a comprovação é difícil de ser realizada, pois, hoje em dia, usamos muitos agrotóxicos que são eliminados pela urina em 24, 48 ou até 72 horas depois que uma pessoa foi exposta às substâncias do produto. O fato de serem eliminados rapidamente não significa que não oferecem riscos à saúde: no caminho pelo organismo, os agrotóxicos podem alterar funções hepáticas, renais e hormonais.

Diante disso, como provar que determinado óbito teve como causa o consumo ou manuseio de agrotóxicos? Primeiramente, a comprovação deve começar na própria notificação dos casos de intoxicação nos sistemas de informação de saúde, organizados e produzidos pelo Ministério da Saúde e que poderiam ser úteis no diagnóstico e tratamento do problema.

A partir da análise dessas informações, as autoridades governamentais podem criar ações positivas em prol da saúde do trabalhador e da população em geral. É papel das autoridades buscar o local da exposição e proceder com ações de vigilância, incluindo averiguação das condições de trabalho, verificação do uso de equipamentos de proteção individual (EPI), inclusive suas trocas periódicas, e aplicação de exames de sangue para intoxicações por agrotóxicos.

A importância desse tipo de notificação pode ser demonstrada na história de VMS, almoxarife de uma multinacional na comunidade de Cidade Alta, situada em Limoeiro do Norte (Chapada do Apodi – Ceará). Após dois anos e meio no trabalho como auxiliar no preparo da solução de agrotóxicos para borrifo na lavoura de abacaxi, VMS faleceu aos 31 anos. Em 2013, a Justiça reconheceu que a morte de VMS foi motivada “pelo ambiente ocupacional”, ou seja, pelo contato direto com os agrotóxicos. A ação movida pela família do trabalhador foi vencida em primeira e segunda instâncias da Justiça do Ceará. A vitória na Justiça representa um marco na luta contra o uso intensivo de agrotóxicos, já que abre o precedente de se provar legalmente que a exposição a esse tipo de produtos, mesmo com “uso seguro” de EPIs, pode levar a morte. Trata-se de uma decisão pioneira no Brasil.

Para a equipe jurídica que cuida do processo da família de VMS, há limitações que dificultam não só o acesso à Justiça, mas também a condições mínimas de atendimento socioassistencial. Muitos profissionais de saúde e de atendimento assistencial e psicossocial não sabem ou não conseguem lidar com situações de intoxicação ocupacional. Segundo os advogados, a abordagem qualificada motivaria mais trabalhadores a buscar reparação no Judiciário.

Sobre as notificações de intoxicação por agrotóxicos, especialistas ressaltam que não há conhecimento sobre a dimensão real do problema. A expansão do uso de agrotóxicos coloca em risco não só os trabalhadores rurais, mas ainda consumidores e o meio ambiente. Para melhorar esse aspecto, é necessário estruturar bancos de dados sobre os produtos, seus efeitos e o tratamento para profissionais da área médica e população em geral; sistemas de registro mais simplificados e interativos; capacitação de profissionais de saúde para entender e registrar agravos; organização de redes de pesquisadores independentes para aprofundar conhecimento sobre agrotóxicos e danos crônicos.

Nos últimos anos, a sociedade já vem demonstrando descontentamento com o modelo atual de produção agrícola e os centros de pesquisa acadêmica têm produzido estudos sobre as reais consequências do uso dos agrotóxicos. O Judiciário e o Ministério Público do Trabalho (MPT) criaram o Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos. E com o resultado do processo no caso de VMS, a tendência é que cada vez mais trabalhadores, individual ou coletivamente, recorram ao Judiciário.

Fonte: ICICT/Fiocruz